O casal que arrendara o apartamento era simpático mas não se assustava com facilidade. A rapariga, faladora e de cabelo comprido, e o rapaz, alto e muito magro, riam-se sempre que objectos caíam sem motivo aparente, culpavam o vento quando, apesar de nenhuma janela se encontrar aberta, as portas se fechavam com estrondo, atribuíam, com um encolher de ombros e um trejeito de resignação, barulhos esquisitos nas paredes e no tecto à acção de ratos ou dos vizinhos. Mas isso não era o pior. O pior era que passavam horas a ver filmes de terror num televisor enorme. Ele tentava assistir, pairando atrás do sofá, mas nem sempre conseguia porque alguns eram demasiado assustadores. Detestava ficar paralisado de medo enquanto eles reagiam com gritos, risos e abraços aos actos de um louco homicida brandindo uma motosserra. Mas era pior quando os filmes metiam fantasmas. Não o assustavam tanto como os de mortos-vivos, lobisomens ou assassinos sádicos mas deprimiam-no como nada mais o conseguia fazer. Não há pior sensação para um fantasma do que perceber-se um cliché.