Tivemos uma conversa muito estimulante antes de o matar. É curioso como as pessoas ficam mais interessantes quando se sentem à beira da morte e têm de lutar pela vida. Têm de justificar a vida. Parecem raciocinar mais depressa, ter pensamentos mais profundos, ganhar dez ou vinte pontos de QI. Isto se lhes for dada oportunidade para falarem, claro. Mas não concebo as coisas de outra maneira. É preciso deixá-las falar. Permitir-lhes reavaliar a vida. Constatar como foi afinal tão melhor do que pensavam. Há egoísmo aqui, eu sei. Torna-as menos irrelevantes. Permite-me matar pessoas que, afinal, não eram uma completa nulidade. Mas também me faz começar a gostar delas. De certa forma, aprendo a gostar delas ao mesmo tempo que elas mesmas o fazem. Trata-se de uma aprendizagem em conjunto. Quando finalmente as mato, é frequente sentir que teria gostado de as ter como amigas. Mas não me permito ilusões. Não duraria. E há outro problema: no fundo, tirando uma ou outra que mato por merecerem ser mortas (mas não gosto de o fazer; sinto que isso me rebaixa, que me transforma numa personagem de série televisiva), mato-as precisamente por gostar delas. Deve ser bom morrer num instante de auto-apreciação. Sair em grande, redimido com o mundo e com as próprias falhas, não ter de mergulhar outra vez numa existência deprimente. Sim, mato-as por gostar delas. E talvez isto explique por que não me mato. Não consigo iludir-me durante períodos suficientemente longos para achar digno fazê-lo. Aliás, se um dia o fizer, será logo depois de matar alguém. Falta de originalidade, eu sei. Mas é o único momento em que o acto se torna fácil.