José António Abreu @ 13:36

Seg, 24/10/11

Tivemos uma conversa muito estimulante antes de o matar. É curioso como as pessoas ficam mais interessantes quando se sentem à beira da morte e têm de lutar pela vida. Têm de justificar a vida. Parecem raciocinar mais depressa, ter pensamentos mais profundos, ganhar dez ou vinte pontos de QI. Isto se lhes for dada oportunidade para falarem, claro. Mas não concebo as coisas de outra maneira. É preciso deixá-las falar. Permitir-lhes reavaliar a vida. Constatar como foi afinal tão melhor do que pensavam. Há egoísmo aqui, eu sei. Torna-as menos irrelevantes. Permite-me matar pessoas que, afinal, não eram uma completa nulidade. Mas também me faz começar a gostar delas. De certa forma, aprendo a gostar delas ao mesmo tempo que elas mesmas o fazem. Trata-se de uma aprendizagem em conjunto. Quando finalmente as mato, é frequente sentir que teria gostado de as ter como amigas. Mas não me permito ilusões. Não duraria. E há outro problema: no fundo, tirando uma ou outra que mato por merecerem ser mortas (mas não gosto de o fazer; sinto que isso me rebaixa, que me transforma numa personagem de série televisiva), mato-as precisamente por gostar delas. Deve ser bom morrer num instante de auto-apreciação. Sair em grande, redimido com o mundo e com as próprias falhas, não ter de mergulhar outra vez numa existência deprimente. Sim, mato-as por gostar delas. E talvez isto explique por que não me mato. Não consigo iludir-me durante períodos suficientemente longos para achar digno fazê-lo. Aliás, se um dia o fizer, será logo depois de matar alguém. Falta de originalidade, eu sei. Mas é o único momento em que o acto se torna fácil.



Fátima Soares @ 14:25

Seg, 24/10/11

 

Bom muito bom mesmo este texto (como todos) embora o possam ver no papel de Deus e alguns "espertos" possam dizer: Mas o que te torna a ti digno do juiz final desses tantos e que te afirma que muitos deles não serão melhor que tu? portanto se tu morresses não farias tanta falta como eles... Mas escrever é isso sujeitarmo-nos a que os outros pensem e opinem e se conseguirmos isso já cumprimos a missão ao escrever. Adorei. Beijo e boa semana.


stipe07 @ 15:54

Seg, 24/10/11

 

Brilhante...


José António Abreu @ 22:06

Seg, 24/10/11

 

Obrigado a ambos pelos elogios.

Verniz Negro: todos os posts neste blogue são - e serão - ficção. O ponto de vista é da personagem e não me parece que um assassino em série do tipo que tentei representar esteja preocupado com acusações de que é pior do que as vítimas. É até natural (embora "natural" possa não ser o termo correcto) que se ache parecido com Deus. Afinal, é alguém que se outorga o direito de matar.

Fátima Soares @ 23:42

Seg, 24/10/11

 

Eu não quis que levasse a mal peço desculpa, realmente expressei-me mal, até estive para brincar na altura e dizer que não gostaria de ser "uma" das que o "personagem" não gostasse, mas não o conheço a si o suficiente para "brincar" e não o faria sem mais nem menos. Claro que assassinos assim como retrata se julgam superiores a tudo e nem consciência têm. Peço-lhe desculpa... Não me expressei da melhor maneira. Mas está espectacular adoro a sua forma de escrever e foi por isso que comentei. Ficcionado está o máximo e claro que a imaginação de pessoas assim como tem, é brilhante mesmo. Desculpe-me de novo sim, não quis ser inoportuna e fui. Uma boa semana e um bj


José António Abreu @ 08:12

Ter, 25/10/11

 

Ei, go easy nas desculpas, que não se justificam... :) Eu não levei a mal - era preciso ser mesmo muito sensível para levar a mal comentários elogiosos. Só estava a deixar o ponto claro, antes que um polícia qualquer, adepto da leitura de blogues, me aparecesse a bater à porta por causa da morte de alguém.

E pode brincar à vontade. Mas - é para o seu bem, acredite - NUNCA me dê a sua morada.





;)