Não duvido que as pessoas «normais» me consideram um monstro. Bom, na realidade não é bem assim. As pessoas «normais» que me conhecem (e «conhecer» também é o termo errado, claro) acham-me um tipo normal, provavelmente até mais simpático do que a maioria. Mas considerar-me-iam um monstro se soubessem o que faço a outras pessoas e, especialmente, o que lhes poderia ter feito a elas (uso o passado porque, obviamente, só o saberiam se eu tivesse sido apanhado). Isso não me incomoda. Não vou pôr-me aqui a discorrer sobre como, no fundo, as pessoas «normais» estão longe de serem assim tão normais nem sobre como as noções que têm na cabeça são preconcebidas, clichés absolutos implantados por pais e colegas, programas televisivos e jornais tablóides, mas sou incapaz de resistir a duas ou três linhas sobre o assunto. A «normalidade» é uma defesa contra o inesperado, contra dúvidas e medos e desejos inconfessáveis. O receio de sair da «normalidade» faz com que, mesmo entre «amigos» (a verdade exige tantas aspas…), raramente se discutam assuntos mais profundos do que o estado do tempo, a mais recente graça dos filhos ou a última polémica no futebol. Esta «normalidade» – que deveria antes chamar-se superficialidade – é alimentada pelos meios de comunicação social, necessitados dela para potenciar o efeito de choque nos momentos em que é quebrada. Notícia de Última Hora – Homem mata mulher e filhos à facada. E os telespectadores arrepiam-se e abanam a cabeça e murmuram «Como é possível?» e nem se atrevem a enfrentar a hipótese de que estranho é não acontecer mais vezes. As pessoas «normais» são pessoas «anormais» fortemente embrulhadas em insegurança e convenções. Tão embrulhadas que acabam por funcionar apenas ao nível do invólucro. Mas chega. Não quero ser presunçoso. Pelo contrário: gostaria até de salientar que matar não faz com que me sinta superior a essas pessoas «normais» – aos meus familiares, aos meus colegas de emprego. Não em termos absolutos, pelo menos. Quanto mais não seja por uma razão que já admiti: não gosto assim tanto de mim. Desprezo as pessoas «normais», é certo, mas também me desprezo com frequência, embora por uma razão ligeiramente diferente: desprezo-as por fecharem os olhos, desprezo-me por, sabendo o que sei, continuar a fingir. Não, matar não me faz sentir superior; matar faz-me sentir diferente. Diferente delas e de todas as outras, incluindo daquelas que fogem à normalidade mais comezinha lendo Ovídio ou biografias de Churchill, empreendendo viagens de auto-descoberta pela Patagónia, pesquisando curas para o cancro ou sendo declaradas oficialmente loucas. Em maior ou menor grau, tudo isto é normal. Não sacode os alicerces sobre os quais se constrói o mito do que é ser humano. Matar sem motivo aparente, sim. É diferente. É ter tomates para arriscar o impensável. É abandonar a espécie e entrar noutra categoria taxonómica. Sim, a fuga à normalidade é justificação mais do que suficiente.
Orgulho, apesar de tudo. Seja.