O Sr. Marques aprendera tarde a navegar na Internet. E durante uns tempos limitara-se a aceder ao Sapo, à Wikipedia e a sites de notícias. Não a usava para compras por achar todo o processo muito complicado e ter medo de indicar o número do cartão de crédito e nem sabia o que eram blogues. Só depois, quase por acaso (lera que a palavra mais pesquisada na Internet era «sexo» e resolvera experimentar), descobrira os sites de sexo. A mulher ainda estava viva quando isso sucedera mas tornara-se óbvio que já não duraria muito – ainda assim, o Sr. Marques sentia alguns remorsos quando, a meio da noite ou nas ocasiões em que ela estava no hospital em tratamentos, acedia àqueles sites. Mas depois, respeitando de forma escrupulosa as previsões dos médicos, ela morrera e tudo se tornara mais fácil. O Sr. Marques já não precisava de esconder o que fazia. Mesmo assim, durante muito tempo ainda sentira vergonha e até um certo receio de que alguém estivesse a observá-lo ou pelo menos a registar todos os seus passos através dos sites da Hustler, da Private ou da Vivid. A passagem de meses e depois anos sem que nada de especial acontecesse (excepto ter passado a receber dezenas de mensagens por semana na sua caixa de correio electrónico propondo-lhe métodos para aumentar o tamanho do pénis) acabaram por dar-lhe alguma tranquilidade. A certa altura, o Sr. Marques decidira usar o cartão de crédito mas depressa chegara à conclusão de que não compensava: o que se obtém de graça na Internet é mais do que suficiente. Na realidade, é ainda melhor do que o que se obtém pagando porque o Sr. Marques percebera entretanto que preferia sexo amador e este encontra-se facilmente de borla (quem faz as coisas por prazer, pensa o Sr. Marques, nem sempre tem noção do que elas valem). O sexo entre amadores parece-lhe mais real – logo, mais profissional – do que o sexo entre profissionais. De resto, já quase não se encontram profissionais (mulheres, entenda-se) sem implantes de silicone ou com vestígios de pêlos nas zonas íntimas e o Sr. Marques, nada tendo contra a evolução das preferências estéticas, apoiadas ou não em avanços tecnológicos, aprecia variedade. Consegue-a com os vídeos de sexo entre amadores, que só têm o defeito de serem frequentemente filmados em plano fixo e a uma distância que não permite distinguir pormenores. Mas não faz mal. É uma questão de ir procurando até encontrar os melhores – o Sr. Marques tem tempo e, após uma distracção que lhe saíra cara, mudara o tarifário de acesso à Internet para uma opção sem limites de downloads. Para sua surpresa, descobrira existirem tantos vídeos de sexo entre amadores na Internet como de sexo entre profissionais. Mais, até. Milhares e milhares deles. Parece ao Sr. Marques que toda a gente que faz sexo (não é o caso dele, infelizmente, pelo menos sexo acompanhado) coloca um vídeo do acto na Internet. E isto cria-lhe um problema inesperado. Ao caminhar pelas ruas, observando as mulheres com quem se cruza, o Sr. Marques não consegue deixar de pensar, especialmente quando se depara com uma vestida de forma provocante, se terão vídeos na Internet – ou até, como complemento de salário, um daqueles sites pessoais Olá, Kátia está online neste momento. Sabe que é errado mas às vezes, seguindo-as com o olhar, sentindo um frémito por todo o corpo com incidência especial numa área específica, acaba a disparar mentalmente: «Cabra!» Depois vai para a ginástica. Esforça-se particularmente nessas sessões. Transpira e arfa, de dentes cerrados, consciente como nunca da presença de todos aqueles corpos femininos, bem torneados e tonificados, à sua volta.