O meu avô Carlos era viciado em automedicação. Experimentava tudo ao mais leve sintoma. Ultimamente, por causa das hemorróidas – reais, creio –, andava a tomar Trifene 200. Dizia que os resultados eram espectaculares. O meu pai murmurava: «Só espero que aquilo não tenha efeitos esquisitos. Que não lhe faça crescer as mamas ou coisa parecida.» A minha mãe encolhia os ombros, suspirava e dizia: «É um analgésico, não lhe faz mal nenhum.» Mas o meu pai não ficava sossegado. «Por alguma razão o publicitam para o que publicitam», resmungava. No fundo, ainda que recusasse admiti-lo, o medo dele era que, em resultado do Trifene 200 e aos setenta e seis anos de idade, depois de uma vida de facadas no matrimónio (que o meu pai não conseguia deixar de invejar), o meu avô se tornasse subitamente homossexual.