José António Abreu @ 21:18

Ter, 28/02/12

Gostava de a ter matado. Teria sido preferível. Não precisaria agora de sentir, para além da dor da perda, o ferrão da cobardia. Ela ter-me-ia agradecido. Não de viva voz, porque no último par de meses já não conseguia falar, mas com um olhar. O último. Devia tê-lo feito logo que se tornou demasiado doloroso para ambos. Quando perdeu a capacidade de falar, talvez. De que serve um corpo que não se consegue exprimir a não ser pelo olhar? Fechado, contra vontade, em si mesmo. Sim, esse teria sido um bom momento para o fazer. Por que não mo pediu, antes, enquanto podia? Não por motivos religiosos, certamente, que nem naquela fase terminal ela acreditava em Deus e muito menos acreditava que a vida deve ser sempre suportada até ao seu fim natural. Só pode ter sido para me poupar. Para não colocar o peso da sua morte sobre os meus ombros – mais uma razão para eu agora sentir culpa.

Mas na altura eu amava-a. E ainda não matava ninguém.