O Sr. Marques aprecia centros comerciais. Raramente lá compra alguma coisa mas gosta de deambular pelos corredores e de sentar-se nas zonas de restauração, observando as pessoas. Na verdade, é mais as mulheres mas ele considera que está a observar «as pessoas». Às vezes pensa que o interior dos centros comerciais é o local onde melhor se analisa a vida moderna. Um local onde toda a gente se encontra no mesmo plano e pode cobiçar e tocar em milhares de coisas. A vida actual é feita de cobiça, pensa o Sr. Marques enquanto suspira perante a visão de uma mulher de traseiro empinado parada em frente à montra de uma sapataria, e os centros comerciais são o local onde ela pode ser expressa de forma mais subtil e democrática. São também um local onde exemplares díspares do ser humano podem ser vistos sem parecerem assim tão diferentes entre si. Hoje, por exemplo, o Sr. Marques ficou igualmente encantado ao ver uma quarentona de fato justo, saltos altos e colar de pérolas movendo-se em passo saracoteado e uma rapariga mal saída da adolescência com um vestido leve, umas botas pesadas e três piercings no nariz esparramada num dos sofás. Há ambientes em que tanto uma como outra pareceriam deslocadas. Num centro comercial, ambas se podem sentir à vontade.
O Sr. Marques encontra-se agora sentado na zona dos restaurantes, cansado de tanto raciocínio – mas não de observar as pessoas. Numa mesa próxima, uma pessoa do sexo feminino com cerca de vinte e cinco anos de idade troca mensagens no telemóvel. Veste uma blusa fina e decotada e um soutien que deve ser de um número abaixo do adequado porque lhe deixa um mamilo quase inteiramente à vista. O Sr. Marques olha e pondera se deve tentar não olhar. Procura também imaginar a reacção dela se, simpaticamente, a avisar do descuido. Está absorto a elaborar uma lista mental de prós e contras quando uma segunda mulher chega junto da primeira, se inclina para a beijar e, enquanto se senta, diz: «Tens a mama à mostra.» A outra encolhe os ombros. «Ora, sempre alegra a vida a alguns coitados.» Primeiro o Sr. Marques sente-se ofendido. Chega mesmo a pensar: «Cabra!» Mas depois percebe que a rapariga acaba de lhe dar autorização para continuar a olhar. E assim, já sem disfarces, o Sr. Marques deixa-se ficar entretido a olhar para o mamilo, que é largo e pouco saliente e está rodeado por uma auréola rosada e ligeiramente granulosa. A certa altura, o olhar dele cruza-se com o da rapariga e o Sr. Marques permite-se mesmo sorrir com descontracção. Só então ela parece incomodada. Empurra a mama para dentro do soutien, pega na mala com a mão que o telemóvel deixa livre e diz para a outra: «Olha, vamos mas é andando.» O Sr. Marques observa-lhe o movimento das ancas enquanto ela se afasta e depois fica lá, sorrindo de vez em quando ao relembrar o acontecimento.