Sempre o achei um tipo estranho. Na universidade tinha um quarto na mesma casa que eu mas era uma espécie de roda sobresselente no grupo em que eu me inseria. Teve um par de relações que não duraram. Fartava-se de falar no cão que os pais lhe haviam oferecido quando fizera doze anos – o canídeo mais inteligente do mundo, a acreditar nos relatos que nos impingia.
Depois da universidade passei a vê-lo mais raramente. Ainda assim, morando na mesma cidade, encontramo-nos de vez em quando. Casou há menos de um ano. Contou-me que conheceu a mulher, Paula, quando o cão dele, filho do que mencionava na universidade, se interessou pela cadela dela. Paula era simpática mas tão estranha quanto ele. Parecia viver para a cadela. Na realidade, apesar de casados, ambos pareciam continuar a viver para os respectivos cães. Demorei algum tempo a perceber que apenas o entusiasmo dos cães um pelo outro os unira. Fora uma espécie de osmose. A atracção dos cães fizera com que se sentissem atraídos. Percebê-los excitados provocara a sua própria excitação. Observá-los a ter relações sexuais levara-os a tomar consciência de que também o desejavam fazer. Evidentemente, durou pouco. O cão dele engravidou uma cadela do prédio em frente e Paula reagiu mal. Disse-lhe: «Isto já não faz sentido.» Não constituiu um grande choque para ele. No fundo, estava de acordo.
Agora encontra-se todos os dias com o dono da cadela (passam imenso tempo a debater com quantos cachorrinhos cada um ficará e o que fazer com os restantes) e começa a sentir-se atraído por ele. «A verdade é que Paula nunca me completou. Bom, talvez no início. Mas depois… Sabes, começo seriamente a pensar que sou gay.»