Tudo na boca dela – os lábios, a língua, os dentes, o sabor – lhe parece estranho e ameaçador. Repugnante, até. Há um instante em que julga ser incapaz de prosseguir com aquilo, em que sente ser mais fácil parar, empurrá-la, afastar aquele corpo com contornos, odores e comportamento estranhos. Mas o instante passa e ele está a corresponder ao beijo e a meter as mãos por baixo da blusa dela e a levantar-lhe a saia e a empurrá-la para o sofá que existe num dos lados do gabinete e a fazer sexo com ela e a pensar como é curioso que uma vagina perfeitamente normal possa parecer tão estranha, tão diferente e, um pouco mais tarde, que há muito tempo não tinha um orgasmo assim e que a culpa resulta ao mesmo tempo num factor de intensificação e de perturbação da experiência. E logo depois diz-se: foda-se, pára de pensar.
Afasta-se. Limpa-se com uma mão-cheia de lenços de papel. Compõe a roupa. Só então a olha. Ainda está a arranjar-se. Durante uns segundos, ele aprecia-lhe verdadeiramente as mamas e as coxas pela primeira vez mas a seguir pensa: e agora? Não sabe o que dizer. Não sabe se deve falar. Na verdade, não sabe o que foi aquilo. Trabalha com ela há anos mas conhece-a mal. Ao contrário dele, não é casada e isso assusta-o. Faz com que nada tenha a perder. Ele sabe que Marta não perdoaria a traição. É-lhe difícil pensar em Marta. Quase como se de repente também ela se houvesse transformado numa desconhecida. Ele e Marta não fazem sexo há quase dois meses e as coisas não andam propriamente bem entre eles. Ainda assim, ela não o perdoaria. Como qualquer mulher (como qualquer pessoa), Marta tem uma faceta de folia e inconsequência, dispara piadas sarcásticas quando o vê olhar para outras mulheres, faz comentários provocadores sobre alguns homens, mas é afinal muito séria em relação a certas coisas. Ou já não? Será possível que tenha mudado? Que isso fosse antes do casamento e logo depois deste? Quando pareciam não conseguir estar separados. Quando nunca precisavam de repetir frases para o outro as compreender. Quando pequenos gestos geravam emoções muito para além do razoável. Ele lembra-se de achar piada ao tempo que Marta demorava a experimentar roupa em frente ao espelho do quarto. Agora, isso irrita-o. Lembra-se de como ela se deixava cair de costas na cama, erguia os pés e pedia para ele lhe tirar os sapatos. Entretanto, deixou de o fazer. Lembra-se de como não havia discussões sobre dinheiro, visitas à família ou o que fazer no fim-de-semana. Actualmente, são regulares. É como se ele e Marta estivessem a desaprender aquilo de que o outro gosta. Ou – talvez seja mais isso – como se cada um deles recusasse aprender a lidar com as alterações de gosto do outro. Como se estas também constituíssem traições. Seja a verdade qual for, as coisas já não são iguais. Mas ainda assim ele nunca admitira a possibilidade de se envolver numa relação extraconjugal. Acha outras mulheres atraentes, claro, como Marta acha alguns homens. Mas sempre fora rápido a classificar qualquer fantasia como apenas isso: uma fantasia. Ainda por cima, uma mulher, especialmente uma mulher que não encara o sexo como negócio, traz problemas. Emoções, desejos, expectativas. Aquela mulher que acaba de se vestir à frente dele é um ser tão completo quanto ele e Marta. É uma pessoa. Uma pessoa que não entende bem. Que não quer magoar. Que lhe pode destruir a vida (ela está a dizer que ele lhe descoseu a blusa e ele está a pensar que ela tem o poder de lhe destruir a vida). Ele já tivera fantasias com ela, já se perguntara como seria nua, mas nunca verdadeiramente achara possível (bom, possível talvez; digamos exequível ou talvez desejável) que a relação deles ultrapassasse o plano profissional. Ele olha para aquela mulher e pensa que ela ficou de repente muito mais perto dele mas também muito mais longe. Antes ele conseguia prever o seu comportamento. Agora deixou de ser capaz de o fazer.
Ela aproxima-se, sorri, toca-lhe suavemente no braço esquerdo. Diz: «Não te preocupes. Fiz isto com perfeita consciência de que não passa daqui. Não estou à espera de nada.» É como se lhe adivinhasse os pensamentos mas ele não fica sossegado. A situação alterou-se. Agora estão conscientes de que podem foder um com o outro. Já não é apenas uma fantasia. Já o fizeram uma vez. Encontrar-se-ão frente a frente quase todos os dias e aquele acto estará ali, entre eles. Como evitar que seja um embaraço ou – o que lhe parece mais provável – como evitar que ocorra novamente e que, mais tarde ou mais cedo, acabe por ter consequências? Que ela – ou ele; será possível? – crie expectativas, que o sexo se lhes veja na face? Que Marta lho veja na face.
Tenta sorrir, especado em frente dela. Repara no pequeno sinal que ela tem junto ao lóbulo da orelha esquerda. Sabe agora que tem outro, quase exactamente igual, na face interior da coxa direita. Por que é que sabê-lo altera tanto as coisas? Pensa que deve retribuir o toque dela e responder ao que ela disse mas não o faz. É quase como se precisasse de lhe ser novamente apresentado. «Temos de ir», diz, e saem do gabinete e atravessam as áreas de open space desertas (o restante pessoal da empresa foi para casa há mais de uma hora) e durante todo o percurso até à rua, incluindo a parte em que descem no elevador, mantêm-se sempre a pelo menos um palmo de distância um do outro.
No quarto, ele examina o fato antes de o pendurar. Não detecta qualquer mancha. Roda em frente do espelho várias vezes até ficar convencido de que nos boxers também não há nada. Puxa o elástico e olha para o pénis, de alguma forma receoso de que esteja diferente. Parece-lhe igual. Não consegue evitar uma ligeira desilusão. Veste as calças de um fato de desporto e está a enfiar a cabeça numa t-shirt quando ouve o som da porta da rua sendo aberta e depois fechada. Pára um instante e a seguir acaba de vestir a t-shirt. Enquanto a ajusta ao corpo verifica-se no espelho. Esboça um sorriso e apaga-o de imediato. Demasiado falso. Mas continua a vê-lo, colado ao seu rosto, quando Marta entra. Trocam um beijo rápido. Ele atira um olhar rápido ao espelho. Não fica certo do que vê. Ela diz: «Estou estoirada, tive um dia horrível.» Deixa-se cair na cama. Permanece imóvel durante um par de segundos, com os olhos fechados. Ele observa-a através do espelho. Veste um fato preto constituído por saia e casaco, uma blusa branca, calça sapatos de salto alto. Tem um aspecto profissional, mesmo esparramada assim sobre a cama. Elegante. Parece segura de si mesma. Ele procura lembrar-se se ela já era assim antes. Tenta perceber se mudou com o acto dele. Se, agora, a vê de forma diferente. Marta abre os olhos. O olhar deles encontra-se no espelho e ele reprime um ligeiro sobressalto. Ela tem um sorriso que se transforma num esgar de cansaço. Ergue as pernas. Pede: «Tira-me os sapatos.»