Era racista mas uma doença deixara-o cego. Depois disso tinha imensos problemas em manifestar o racismo às pessoas certas. Fazia-o por ouvido. Quando alguém lhe soava a negro – ou amarelo, pois era um racista abrangente – fazia comentários depreciativos, trejeitos de desagrado ou, nos dias de maior comedimento, afastava-se. Normalmente os alvos suportavam a atitude com estoicismo. De resto, que poderiam fazer? Esmurrar um cego?
Enganava-se imensas vezes – não apenas porque os círculos em que se movimentava eram quase exclusivamente caucasianos mas também porque as pessoas o evitavam ou então se divertiam às suas custas, imitando sotaques africanos ou orientais. Chegaram a trocar-lhe a bengala branca por uma pintada de preto. Andou com ela vários dias, gerando hilaredade nos que o conheciam mas correndo riscos sérios de ser derrubado num passeio ou atropelado ao atravessar a rua, uma vez que muitos transeuntes e automobilistas não se apercebiam da sua condição de cego.
Como seria de esperar, a dada altura ele começou a aperceber-se das partidas. Isso não o tornou mais prudente. Pelo contrário: aumentou-lhe a paranóia. Recusou um cão-guia com medo que lhe arranjassem um com pêlo preto ou de raça estranha (ninguém chegou a perceber que raças eram aceitáveis mas ficou evidente que abominaria ser guiado por um cão de água). Justificando-se com a premissa de que «quem apoia a perda da identidade branca não merece respeito» insultava toda a gente. Como nem sequer conhecia outros racistas assumidos, não abria excepções. Alguém afirmou um dia: «É uma besta mas, desde que perdeu a visão, bastante igualitária.» Vai-se a ver e descobre-se aqui uma lição de moral.
Segunda-Feira, 3
Acordei convencido de que algo importante acontecerá esta semana. Não foi hoje.
Terça-Feira, 4
O almoço soube-me bem mas caiu-me mal. Quase vomitei no restaurante onde costumo comer sozinho.
Quarta-Feira, 5
Tanto me faz viver numa República como numa Monarquia. Aproveitei o feriado para me apaixonar. Não sei quem ela é. Vi-a apenas durante uns minutos, na rua. É loura. Com sorte, amanhã já me passou.
Quinta-Feira, 6
Ainda não me passou totalmente mas já não me custa pensar nela. Ou só um pouco. Começo a ter dificuldade em recordar-lhe o rosto mas lembro-me bem do cabelo. E das pernas. E do decote.
Sexta-Feira, 7
Nada de especial aconteceu.
Sábado, 8
A mamã morreu finalmente na noite passada. Foi enterrada esta tarde. Ainda bem que calhou a um sábado.
Domingo, 9
Yes! Bem me parecia que havia de suceder algo importante: voltei a ver a loura. Saía da padaria quando eu passava na rua. Percebi logo que não a esquecera. Ter-se-á mudado para esta zona? A próxima semana vai ser bombástica.